EXPOSIÇÃO

1 mai - 30 jun 2019

EXPOSIÇÃO

O Olhar Divergente

As Residências Artísticas do Pico do Refúgio como património prospetivo

1 mai – 30 jun 2019

Curadoria | Miguel von Hafe Pérez

ARTISTAS | Ana Catarina Fragoso, Ana Catarina Pinho, Andrea Santolaya, António Júlio Duarte, Atelier de Lisboa, Carla Cabanas, Cláudia Varejão, Daniel Blaufuks, Duarte Amaral Netto, Graham Gussin, Gustavo Ciríaco, Hun Chung Lee, José Pedro Cortes, João Paulo Serafim, João Valente, Maria Pita Guerreiro e Dion Soethoudt, Luis Bernardo Leite de Ataíde, Luisa Constantina, Miguel Palma, Márcio Vilela, Pedro Vaz, Thurston Moore, Tito Mouraz, Valter Ventura

SINOPSE

A exposição O olhar divergente resulta do programa de residências artísticas que Luís Bernardo Brito e Abreu estabeleceu a partir de 2015 no Pico do Refúgio, uma unidade turística que assim se estabelece igualmente como plataforma de desenvolvimento cultural na ilha de São Miguel.

Decorridos quatro anos, as residências acolheram vinte e um artistas, para além de dois workshops de fotografia com dezenas de participantes mediante a orientação de António Júlio Duarte, ele próprio um dos artistas que concretizou uma estadia nos Açores.

Com um particular ênfase na fotografia, são muitas as áreas criativas que entretanto foram sendo propostas e trabalhadas no âmbito deste programa: design, pintura, escultura, desenho, vídeo, som, literatura e artes performativas são disciplinas que individualmente ou em complementaridade processual desembocaram nas propostas de obra que, enquanto memória futura, fazem parte do acervo do Pico do Refúgio que agora se expõe.

Quando surgiu a possibilidade de colaboração institucional com o ARQUIPÉLAGO – Centro de Artes Contemporâneas, algo anteriormente sinalizado nas diversas apresentações públicas dos resultados das residências que muitos dos artistas aí levaram a cabo, ficou imediatamente claro que uma exposição dedicada exclusivamente às obras do acervo do Pico do Refúgio seria uma oportunidade desperdiçada se não se envidassem os melhores esforços no sentido de fortalecer a presença dos artistas em causa. Assim, através de um processo no qual se destacou a generosidade dos artistas, podemos apresentar aqui outros trabalhos que, embora possam ter sido realizados e apresentados noutras circunstâncias, mantêm um vínculo com as residências. Ganha deste modo corpo e intensidade uma exposição que reúne nomes fundamentais da contemporaneidade artística nacional e internacional.

Assinale-se que a escolha dos artistas se tem vindo a materializar por via de convites diretos do mentor das residências, num processo orgânico de afinidades pessoais e que acolhe sugestões dos próprios autores. Prescindindo de um open call, este é antes de mais o resultado de uma visão própria sobre o panorama atual, com a qual e enquanto curador da exposição me identifico plenamente.

Sem prerrogativas convencionadas sobre o desígnio das residências, os artistas mantiveram sempre a maior liberdade de ação que se lhes poderia proporcionar, tendo em conta naturais constrangimentos de tempo e condicionantes logísticas e financeiras. O que agora se apresenta é, nesse sentido, inesperado e notável.

 

A ilha como matéria-cenário

Numa altura em que proliferam residências artísticas a uma escala global, muitas tipologias se têm vindo a consolidar nas últimas décadas. Das mais institucionais, associadas a museus, centros de arte, autarquias ou mecenas corporativos, às mais informais, promovidas por aquilo que ficou conhecido por artist-run spaces, ou por associações locais, é possível hoje desfrutar de redes estabelecidas em praticamente qualquer canto do globo.

No caso que agora se discute, é evidente que se trata de uma iniciativa que está ainda a ancorar um processo de trabalho até aqui vinculado a relações de confiança pessoal e cumplicidade vital. Agrada-me este caráter orgânico, precisamente porque a sua fluidez representa, também, um patamar de liberdade criativa peculiar.

O que fica claro, neste primeiro momento em que se olha com um recuo mínimo para as obras agora apresentadas, é a clara inscrição da realidade açoriana nos distintos e pessoais trajetos criativos dos artistas escolhidos. A ilha vê-se assim material e conceptualmente perscrutada em processos de investigação formal, de pensamento e discursividade, sem que isso represente qualquer tipo de desvio às linhas de ação estética a nível individual. Da paisagem natural à paisagem social, do visto ou do imaginado, do envolvimento com a história à especulação sobre o futuro, muitas foram as estratégias delineadas para ancorar modos de fazer idiossincráticos na plataforma fluida e mutante que é a realidade apreendida no local.

 

Património prospetivo

Constantemente reafirmada como desígnio nacional, a efetiva descentralização cultural apresenta-se hoje como tarefa urgente no sentido de combater desequilíbrios económicos e sociais no território nacional.

Se, por um lado, a cobertura infraestrutural e a mobilidade se alterou radicalmente nas últimas décadas, nem sempre a aposta nas condições de vivência no interior do País e nas Ilhas foi acompanhada de políticas complementares, nomeadamente no que diz respeito ao direito constitucionalmente adquirido no acesso à cultura.

A abertura do ARQUIPÉLAGO – Centro de Artes Contemporâneas, edifício reconhecido internacionalmente pela sua excelência arquitetónica, e motor fundamental na assunção da contemporaneidade criativa como fonte de conhecimento, inclusão social, e valorização patrimonial, bem como a continuidade qualificada de iniciativas como os festivais TREMOR e WALK & TALK, que desenham uma nova perspetiva inclusiva das expressões mais relevantes das diversas áreas da cultura contemporânea, são marcadores substantivos de uma oferta que não se dirige exclusivamente para um público sazonal, antes pretendem a criação de uma massa crítica que importava sedimentar localmente.

O convite que as Residências do Pico do Refúgio concretizam a artistas contemporâneos para uma experiência direta no território social, físico e imaterial do Açores é, assim, o garante de um caminho suplementar na criação de um património fundamental para o futuro. Porque se hoje estes artistas olham com curiosidade investigativa, por exemplo, como era representada a ilha nos séculos XIX e XX, como é que os artistas tratavam a sua paisagem, como documentavam a sua fauna e flora, o seu mar, os seus habitantes e os seus costumes, a sua arquitetura popular ou erudita (e alguns dos seus desacertos pelo caminho), muito provavelmente os artistas e o público do futuro perceberá o quão importante foi a cristalização dos olhares, distintos e divergentes, que agora se apresentam nesta exposição.

 

Uma nota final

As Residências do Pico do Refúgio foram pensadas por Luís Bernardo Brito e Abreu também como homenagem à tradição artística familiar, em particular à memória da sua mãe, a escultora Luísa Constantina; acompanhando esse desejo de salientar e homenagear a singularidade dessa tradição, apresentam-se, de modo espero positivamente disruptivo, uma escultura da artista que está normalmente exposta no Museu Carlos Machado em Ponta Delgada, e uma pintura do início do séc. XX de Luis Bernardo de Ataíde. Momentos singulares de representações de uma ilha palpável e de uma ilha efabulada.

 

Miguel von Hafe Pérez

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